quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Interferência corporal: Sonho de consumo de neofashionistas

(Adriana Avellar)

Se a artista Laurie Anderson foi considerada ousada ao acoplar sensores e usar o corpo como instrumento musical (ela foi chamada, por essas e outras, de criadora dos 80), que dizer do já polêmico Paavali Tammi? O artista finlandês naturalizado húngaro e belga de coração dedicou 10 anos ao estudo de Medicina e Cirurgia Plástica, simplesmente para aprimorar a técnica de body modification. Seria ele o criador dos anos 2010, com suas Interferências Corporais?

e(fêmea)ra – O que é Interferência Corporal?

Paavali Tammi - É uma releitura do corpo, uma desconstrução e uma customização ao mesmo tempo. É o corpo também funcional esteticamente, mas revisto como uma verdadeira obra de arte, com um toque original em que o artista co-cria com a natureza. É um corpo – vivo – reestruturado artisticamente. A Interferência Corporal não é uma utilização meramente como suporte, como alguns críticos afirmam. Qualquer tatuador usa o corpo como suporte, como tela. A Interferência Corporal é um trabalho autoral e original.

e(fêmea)ra – Há quem diga que não é tão original, que você se inspira na obra de Picasso.

Paavali Tammi – Existe sim, uma influência de Picasso, a quem admiro. Mas a obra de Picasso é bidimensional. Já a minha é tridimensional. E a olho nu! Ninguém precisa de óculos para capturar a tridimensionalidade da obra. É claro que sofro influências – como todo artista. E no meu caso, não somente de outros artistas, mas também de profissionais de outras áreas, como o cirurgião plástico brasileiro Ivo Pitanguy.

e(fêmea)ra – Você diria que essa influência de segmentos diferentes torna seu trabalho “inovadoramente multimídia”, como você o classificou?

Paavali Tammi – Pode ser uma das razões, mas a minha Interferência Corporal não é simplesmente multimídia, é multiversimídia: engloba várias áreas – como arquitetura, design, cirurgia-plástica, biblioteconomia; é apresentável em qualquer espaço, intimista ou apoteótico, como bar, banheiro de avião, sambódromo. E também é dotado de mobilidade natural, é mais acessível ainda à compreensão que a arte do Vik Muniz, é uma arte que precisa de técnica sofisticada – cursei 10 anos entre a graduação em Medicina e a especialização em cirurgia plástica – mas tem uma proposta popular.

e(fêmea)ra - O local escolhido para o lançamento (a Royal Academy of Fine Arts Antwerp) não seria um tanto sofisticado para uma proposta popular?

Paavali Tammi – Há dois públicos aí: o que aprecia a obra de arte e o que se transforma na obra de arte. No lançamento, minha intenção foi atingir às pessoas que desejam se transformar numa Interferência Corporal. Você não escolhe ser vanguarda, a vanguarda é que lhe escolhe. Que pessoas antenadas seriam essas? Quem mais além de fashionistas? Por isso, escolhi um lugar que forma ícones do design, de moda. Eu mesmo sou fã e fortemente influenciado pelo estilista belga Dries Van Notten.

e(fêmea)ra – Você cita sempre o mundo fashion. A moda te inspira?

Paavali TammiEs-ti-lo me inspira. Estilistas me inspiram. Tenho uma obra – uma mulher – não fiz nada. É um nada! Apenas sulcos em sua pele. Ficou divina. Uma referência Issey Miyake. Ela não usa um vestido com tecido amassado da grife Issey Miyake, ela é o próprio amassado Issey Miyake. Compreende?

e(fêmea)ra – Como você criou o conceito Interferência Corporal?

Paavali Tammi –Tomei como base as interferências urbanas de vários artistas plásticos. Pensei: por que não intervir no próprio corpo? A partir daí, vi Picasso, o mestre maior, diante de mim. Imagens de corpos se fragmentavam em meus sonhos.

e(fêmea)ra – Você pode dar exemplo de funcionalidade de alguma obra sua?

Paavali Tammi - A obra Mulher De Boca Na Testa é um exemplo. Aquele beijo falso-respeitoso, na testa, que um homem dá numa mulher que ele deseja. Vamos assumir! O que ele quer é outra coisa! Quer algo mais funcional neste momento que uma boca na testa? Há outras. Eu diria todas. As obras Narizes, De Ponta Cabeça, Sorriso do Gato De Alice, Seios Nas Costas... Tudo isso é funcional.

e(fêmea)ra – Você poderia explicar a funcionalidade de seios nas costas?

Paavali Tammi – (risos) Esse é meu primeiro trabalho. Sempre acabo voltando a ele. É um insight de quando iniciei o trabalho de Body Modification – que foi como comecei minha carreira. Inspirado num baile de formatura de escola americana. Eu sentia que havia algo errado no corpo feminino. Claro! Os peitos deviam ficar nas costas, para qualquer menino poder apalpá-los ao dançar colado com a garota de seus sonhos! Atualmente soa desnecessário, mas ainda assim é funcional. E excitante.

FIM.

Um comentário:

  1. Pelos Deuses,Adriana...Maravilhoso! Esse diálogo insólito hiperrealista pós moderno é tão profético que antes que as páginas deste blog amarelem nos o ouviremos entre os nossos...
    Beijos e bala na agulha....

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