terça-feira, 24 de agosto de 2010

Especializado em massas

(Adriana Avellar)

A história é verídica. O restaurante, em Petrópolis, recém-inaugurado. O grupo quer apenas uma boa comida feita com cuidado. No cardápio, uma variedade infinita de pratos: caldos, sopas, carnes, assados, grelhados, carpaccios, saladas. E massa, a especialidade da casa.

- Tem tanta coisa nesse cardápio que eu duvido que consigam fazer tudo bem feito – comenta a cética do grupo. Melhor apostar na garantia sem obviedade: a especialidade da casa.

Depois de um desfile de maitre, garçom de água, garçom de bebida, garçom de guardanapos, garçom de utensílios, enfim, o garçom para anotar os pedidos.

- Se depender da quantidade de pessoas no serviço, a comida é boa.
- Restaurante com muito atendente na mesma mesa, raramente é bom.
- A massa é feita aqui mesmo? – pergunta alguém ao garçom.
- Ora pois, onde haveria de ser feita?, transfere a pergunta o garçom.
- Vocês usam massa fresca, então?
- Aqui é tudo fresquinho.

Pedido feito. Pedido à mesa, meia hora depois.

- Que isso? Gente, essa massa tá cozida demais! Parece sopa! Ah, vou falar com o garçom. Garçom!
- Pois não?
- Nós pedimos massa, mas vocês trouxeram sopa! – mostra a massa desmanchando em contato com o ar.
- A senhora queria o molho separado?
- Não, eu queria o molho junto. Só que essa massa tá com consistência de sopa.
- É o molho, eu já disse.
- Eu não tô falando do molho. Eu tô falando do ponto de cozimento da massa.
- Mas eu não tô entendendo o que a senhora tá querendo.
- Eu quero a massa al dente.
- Então eu vou chamar o maitre, responde, sussurrando enquanto sai: “Essa gente que não tá acostumada a comer fora!”

O maitre chega. Todo o diálogo se repete.

- Então eu vou chamar o cozinheiro. Essa gente que não tá acostumada a comer fora!

O cozinheiro não chega. Em seu lugar, o dono do restaurante.

- Aqui o cliente tem sempre razão. Aqui nós fazemos o gosto do freguês. A senhora desculpe.
- Sim, sim.
- Três garçons faltaram. Só vieram no primeiro dia. Quem tá me dando uma força aí é o rapaz que trabalhava comigo na confecção que eu tinha na rua Teresa.
- Tudo bem, tudo bem. Não é nada com o garçom.
- Mas deixa eu explicar. O rapaz é bom, mas nunca trabalhou atendendo o público.
- O meu problema não é o garçom que foi muito simpático.
- Qual o problema, então?
- Nós pedimos massa, especialidade da casa, mas veio assim, ó, quase derretendo.
- Porque quente que é bom. Massa tem que ser servida bem quente, mas se a senhora prefere mais morninha, já deve estar no jeito.
- Eu não quero massa mais morninha, eu quero al dente.
- Ao dente? Ah, a senhora quer mais alho no molho!
- O que o alho tem a ver com isso, meudeusdocéu?
- Alho, dente de alho.
- Peraí, deixa ver se entendi direito. A especialidade do restaurante é massa mesmo?
- Claro.
- E o senhor não sabe o que quer dizer al dente?
- Se a senhora não me explicar como é que eu vou saber?
- Imaginei que num restaurante especializado em massa essa seria a última coisa que eu teria que explicar.
- Minha senhora, eu estou aqui tentando ajudar e atender o seu desejo. Mas se a senhora não me explicar direitinho que a senhora quer...
- Eu quero a massa al dente. Numa textura que dá pra mastigar, compreende?
- Sei, textura, sei. E como eu faço isso?
- Como faz o quê?
- A massa ao dente.
- Vai depender do tipo de massa que vocês usam, do tempo necessário de preparo. Como eu vou saber?
- Se a senhora não sabe o que quer, eu não posso adivinhar.
- Eu quero a massa al dente.
- Isso a senhora já falou, mas não soube explicar direito. Vou simplificar, pra senhora conseguir explicar. Qual é a diferença entre a massa que tá aí no prato e a massa que a senhora quer?
- Meu senhor, a massa que está aqui no prato está cozida demais, muito além da conta!
- Ah, é isso? Por que a senhora não falou logo que queria mal passada?

O restaurante fechou. Acabaram-se os incautos clientes de primeira e única vez.

FIM.

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