terça-feira, 31 de agosto de 2010

Avanço

(Adriana Avellar)

A história é verdadeira. Ano de 2010. Município de 400 mil habitantes.

Conheceu o cara na balada. De cara, ele mostrou que tava afim. Ela nem tanto. Deixou passar uns dias, até que rolou um ligeiro clima. Foi quando a amiga, que sempre dava carona avisou:

- Hoje, não tem essa de querer ir embora cedo não!Se meu paquera estiver lá, eu fico. Ou saio com ele.
- Tudo bem - combinaram as outras quatro amigas - a gente racha um taxi na volta.

Não foi preciso. O carinha ofereceu carona. Ela foi sentada na frente. As outras três atrás. E ele, claro, levou cada uma em casa. Deixou-a por último.

- De repente até rola uma parada maneira - ela pensou.

No portão de casa, na intenção da despedida, o cara tascou-lhe um beijo. Beijo profundo. Segurou-lhe a mão. Primeiro, com muito carinho. Depois, com mais intensidade.

Numa atitude intempestiva, durante o beijo, forçou-a para dentro de suas calças. A braguilha já estava aberta. Ela chocou. Tirou a mão rapidamente. Saiu do carro. Correu, sem olhar para trás, entrou. Ali, no portão da casa dela! Logo depois do primeiro beijo! Que ele tá pensando?

Normalmente, faria um escândalo, comentou mais tarde com as amigas. Mas a surpresa foi grande, não teve reação. Só correr. Aquele filho da puta! Diante de seu portão, onde era melhor não chamar a atenção da vizinhança!

Apenas saiu correndo do carro e entrou em casa. Com a promessa de nunca mais ver esse babaca. Um avanço desse jeito!

Agora, passado o susto, já até consegue rir e fazer piada, mas promete para as amigas, todas na faixa dos 60:
- Nunca mais eu vou naquele baile da terceira idade!

FIM.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Especializado em massas

(Adriana Avellar)

A história é verídica. O restaurante, em Petrópolis, recém-inaugurado. O grupo quer apenas uma boa comida feita com cuidado. No cardápio, uma variedade infinita de pratos: caldos, sopas, carnes, assados, grelhados, carpaccios, saladas. E massa, a especialidade da casa.

- Tem tanta coisa nesse cardápio que eu duvido que consigam fazer tudo bem feito – comenta a cética do grupo. Melhor apostar na garantia sem obviedade: a especialidade da casa.

Depois de um desfile de maitre, garçom de água, garçom de bebida, garçom de guardanapos, garçom de utensílios, enfim, o garçom para anotar os pedidos.

- Se depender da quantidade de pessoas no serviço, a comida é boa.
- Restaurante com muito atendente na mesma mesa, raramente é bom.
- A massa é feita aqui mesmo? – pergunta alguém ao garçom.
- Ora pois, onde haveria de ser feita?, transfere a pergunta o garçom.
- Vocês usam massa fresca, então?
- Aqui é tudo fresquinho.

Pedido feito. Pedido à mesa, meia hora depois.

- Que isso? Gente, essa massa tá cozida demais! Parece sopa! Ah, vou falar com o garçom. Garçom!
- Pois não?
- Nós pedimos massa, mas vocês trouxeram sopa! – mostra a massa desmanchando em contato com o ar.
- A senhora queria o molho separado?
- Não, eu queria o molho junto. Só que essa massa tá com consistência de sopa.
- É o molho, eu já disse.
- Eu não tô falando do molho. Eu tô falando do ponto de cozimento da massa.
- Mas eu não tô entendendo o que a senhora tá querendo.
- Eu quero a massa al dente.
- Então eu vou chamar o maitre, responde, sussurrando enquanto sai: “Essa gente que não tá acostumada a comer fora!”

O maitre chega. Todo o diálogo se repete.

- Então eu vou chamar o cozinheiro. Essa gente que não tá acostumada a comer fora!

O cozinheiro não chega. Em seu lugar, o dono do restaurante.

- Aqui o cliente tem sempre razão. Aqui nós fazemos o gosto do freguês. A senhora desculpe.
- Sim, sim.
- Três garçons faltaram. Só vieram no primeiro dia. Quem tá me dando uma força aí é o rapaz que trabalhava comigo na confecção que eu tinha na rua Teresa.
- Tudo bem, tudo bem. Não é nada com o garçom.
- Mas deixa eu explicar. O rapaz é bom, mas nunca trabalhou atendendo o público.
- O meu problema não é o garçom que foi muito simpático.
- Qual o problema, então?
- Nós pedimos massa, especialidade da casa, mas veio assim, ó, quase derretendo.
- Porque quente que é bom. Massa tem que ser servida bem quente, mas se a senhora prefere mais morninha, já deve estar no jeito.
- Eu não quero massa mais morninha, eu quero al dente.
- Ao dente? Ah, a senhora quer mais alho no molho!
- O que o alho tem a ver com isso, meudeusdocéu?
- Alho, dente de alho.
- Peraí, deixa ver se entendi direito. A especialidade do restaurante é massa mesmo?
- Claro.
- E o senhor não sabe o que quer dizer al dente?
- Se a senhora não me explicar como é que eu vou saber?
- Imaginei que num restaurante especializado em massa essa seria a última coisa que eu teria que explicar.
- Minha senhora, eu estou aqui tentando ajudar e atender o seu desejo. Mas se a senhora não me explicar direitinho que a senhora quer...
- Eu quero a massa al dente. Numa textura que dá pra mastigar, compreende?
- Sei, textura, sei. E como eu faço isso?
- Como faz o quê?
- A massa ao dente.
- Vai depender do tipo de massa que vocês usam, do tempo necessário de preparo. Como eu vou saber?
- Se a senhora não sabe o que quer, eu não posso adivinhar.
- Eu quero a massa al dente.
- Isso a senhora já falou, mas não soube explicar direito. Vou simplificar, pra senhora conseguir explicar. Qual é a diferença entre a massa que tá aí no prato e a massa que a senhora quer?
- Meu senhor, a massa que está aqui no prato está cozida demais, muito além da conta!
- Ah, é isso? Por que a senhora não falou logo que queria mal passada?

O restaurante fechou. Acabaram-se os incautos clientes de primeira e única vez.

FIM.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Não é o prato que importa, mas a interpretação do prato.

(Adriana Avellar)

Gastronomia
O maitrê se dirige à mesa dos convidados do renomado restaurante que só atende mediante reserva com antecedência mínima de um mês.
- O chef preparou consomé de delicadas raízes tuberosas, servido sobre leito de fios de alho poró e lascas de trufas pretas frescas, dentro de um autêntico pão italiano, emoldurado por uma cesta crocante de Parmigiano-Reggiano. Acompanha combinado de ervas aromáticas cultivadas em região de Serra, vaporizadas pelo sabor suave e picante de azeite de oliva da varietal ogliarola.
- Maravilhoso, retumbante, fantástico!

Culinária
A professora, na bancada da cozinha, instrui os atentos alunos.
- Os legumes são cortados em cubos de cerca de dois centímetros. Refogamos a cebola e o alho, juntamos os legumes e o caldo de carne, que ensinei na aula passada. Deixa reduzir para apurar o sabor e ficar na textura ideal. À parte, numa frigideira, polvilhamos o parmezão e deixamos em fogo alto até ficar crocante. Usamos essa cestinha para servir os pedaços de pão. A salsa e a cebolinha são salpicadas na sopa já no prato.
- Delícia!

Comida
Duas amigas no escritório, ao final do expediente.
- Que cansaço! Chegar em casa, ainda tenho que encarar fogão. Esse negócio de fazer jantar é que acaba comigo.
- Eu, no inverno, só faço sopa. Hoje mesmo vou chegar em casa, refogar um músculo com cebola e alho, botar pra cozinhar na panela de pressão por uns 15 minutos. Aí, descasco os legumes que tiver na geladeira, corto assim mal e mal, junto na panela, mais cinco minutos e pronto! É só jogar um cheiro verde, um fio de azeite extra virgem, um queijinho ralado. Todo mundo adora.
- Muito bom.

Gororoba
O menino entra correndo na cozinha, gritando.
-Mãeêêêêê, o pai mandô perguntá o que qui vai tê de janta.
- Sopa de entulho.
- Eba!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Comida Honesta

(Adriana Avellar)

Estavam perdidos. Desceram mais uma vez na estação errada. Era a terceira. A fome aumentando e nada de encontrar o famoso centro gastronômico. Resolveram procurar restaurante por ali mesmo. Simplicidade. Quem sabe uma comida honesta, uma surpresa agradável. Andaram muito.E mais ainda. Encontraram um que consideraram simpático. Não se sabe se pela fome ou se pela varandinha, pelas mesas com toalhas vermelhas ou pelo “desde 1948” do letreiro.
O garçom, um senhor idoso, cabelos de neve, com jeito tradicional, paletó branco e gravata borboleta, estava na porta se despedindo de uma mulher.


– Tudo bem, Conceição. Pode ir tranqüila e deixa que eu me viro por aqui, se precisar. Bom apetite.

Ao vê-los, o garçom inclina-se, numa afetada solicitude, abrindo espaço para entrarem. Logo depois, está com um bloco, junto à mesa dos seis. Três casais.

– Bom dia. Ernesto, ao dispor dos senhores. Peço desculpas - diz, numa linguagem tão afetada e falseada quanto a postura - Estava me despedindo da... - deixa transparecer algum prazer em dizer isso – ...da assistente da cozinha.

– Assistente de cozinha? – estranha o mais alto do grupo – Achei que o senhor tivesse dito “bom apetite”.

– E disse. Ela está indo almoçar – responde o garçom, mantendo a naturalidade, enquanto distribui cardápios para cada um da mesa, mas enfatizando “indo almoçar”.

– Indo almoçar? Mas ela saiu do restaurante!

– E-xa-ta-men-te – fala, colocando coberturas de papel sobre as toalhas.

– Não me diga! Os funcionários não podem comer da própria comida? – surpreende-se uma das mulheres do grupo.

– Poder, pode. Mas ela detesta comida requentada – há um claro tom de deboche.
Silêncio. Todos desviam a atenção de seus cardápios. Teriam entendido direito? O garçom continua, com naturalidade.

– Na primeira ou na segunda vez até que come. Mas ela hoje não trouxe marmita.

– A assistente de cozinha traz marmita de casa?, espanta-se a loura.

– Nem sempre. Às vezes, a gente reparte uma quentinha. Hehehe.

O garçom estaria ironizando?

– Quentinha?!?, quase berra o marido da loura.

– Nada como uma comida fresquinha, feita na hora – diz o garçom, ao terminar de colocar a última toalha de papel. Rápido, sem tempo de questionamentos, se posta ereto, ao lado da mesa, com bloco e caneta.

– Já escolheram?

Há um ligeiro mal estar. Troca de olhares. Um riso nervoso aqui e ali. Seria algum tipo de brincadeira? O garçom é bem idoso. Parece sério.

– Traz uma gelada, enquanto a gente decide – diz o mais velho da mesa, para ganhar tempo.
– Uma gelada - repete o garçom, sussurrando enquanto anota – Coitados, vão entrar numa fria.

– Não entendi?

– Só temos chope.

– Seis.

O garçom faz menção de sair, mas dá meia volta.

– O senhor me desculpe. É que simpatizei com vocês.

O garçom se inclina, aproximando-se ao máximo do ouvido do homem mais velho.

- Sabe como é. Final de barril. O chope tá saindo que é espuma pura - diz com os olhos fixos no homem do caixa, um homem com cara de quem, literalmente, comeu e não gostou. – O patrão não deixou trocar. Se eu fosse vocês, escolhia outra bebida – sussurra e volta à postura ereta inicial.
O freguês olha de novo o cardápio, faz sinal para os amigos na mesa, discretamente. Olha para o homem no caixa e fala alto.

– Mudamos de idéia. Quem vai de caipirinha?

O garçom faz cara assustada, tentando avisar algo em gestos contidos.

– A caipirinha é feita com a caninha da boa, compreende? – fala alto, mas logo abaixa-se e sussurra, com uma risadinha cúmplice, sem tirar os olhos do homem do caixa. – Mas o limão passa de copo em copo. O senhor vai ver: parece bebum, chega a tá inchado!

– Água. Água para todos – adianta-se uma das mulheres.

– Com gás, senhora, com gás - fala alto para chamar a atenção do dono no caixa. –É só um tiquinho mais cara, mas é infinitamente mais gostosa - baixinho: e garantida.

– Ótimo! Água com gás para seis!

O garçom sai e volta com a bandeja, garrafas de água e copos. Faz questão de abrir as garrafas na presença de todos, exagerando no gesto, como quem quer dar garantia de inviolabilidade. Agora ele está mais sorridente. Sente que foi instaurada a confiança profissional.

– Essa empada de palmito... – diz a acompanhante do homem mais velho – a massa é daquela que derrete na boca?

– Derrete! - o garçom abaixa-se, satisfeito com o que vai revelar. – Já deve até estar derretida, com esse calor! Ficou muito tempo fora da geladeira - completa sussurrando.

– O senhor quer dizer que a empada tá velha? – pergunta a mulher.
O garçom se apavora, olha para o caixa, percebe que o dono continua distraído. Relaxa.

– Por favor, a senhora não vai me comprometer com o patrão! – pisca o olho.
– Pode falar a verdade – incentiva o novo cliente amigo.

– Velha, eu não diria: chamar uma senhora de velha é falta de respeito – diz, com um riso debochado cheio de confiança. – Eu diria até gatosa, porque ela é bem simpática. hehehe. Ainda vai dar um caldo – ri de novo, gostando da própria piada. – Se a senhora passar aqui amanhã vai poder experimentar. Hehehe. O caldo feito com a empada encalhada. hehehe.

– Eles fazem caldo de empada? – pergunta o cliente amigo, em segredo também.
– De empada só não. De tudo que não tem saída e fica na geladeira. Vou dizer uma coisa pra vocês: o arroz tá fresquinho, isso eu garanto. Pode pedir uma saladinha de tomate e cebola; não pede alface não, que só jogam na água com vinagre; e um bife mal passado com batata frita.

–Se o senhor garante, pode trazer! – sorri, cúmplice, o mais velho da mesa.
O garçom sai para providenciar. Mas agora, ele já é atração. Basta passar perto da mesa, para alguém chamar. Todos querem experimentar sua, digamos, espontaneidade.

– O pastel de carne é fresco?

– Fresco? O pastel é feito de bofe. Hehehehe. Não tem frescura com ele não!

– E o picadinho à moda, como é feito?

– Ih, isso aí é sobra de bife!

– E o escondidinho de carne seca?

– Esse é sincero. hehehe. A carne seca fica escondida. Tem painco, conhece? Não sai de jeito nenhum! hehehe

– E de sobremesa, seu Ernesto?

– Melhor fruta. O abacaxi tá bom. Pode comer, que eu garanto.

– Abacaxi para seis!

– Vocês já devem até cantar parabéns de aniversário das comidas, hein? - exagera o mais jovem da mesa.

– O quê? - ri, gostosamente, apontando para um garçom que passa com bandeja. – Aquela ali, por exemplo, a Margarida.

– Margarida? Mas é um homem!

– Tô falando da galinha. Tá tanto tempo aqui que hoje demos um nome pra ela. Hehehe. Já foi assada, depois virou picadinho, depois virou estrogonofe, agora é caldo! Hehehe.

– Fala sério, o senhor está de aviso prévio?

– Não demora muito ficar. Mas eu posso me aposentar. Estou aqui há mais de 40 anos! Esse restaurante aqui era bom. Vinha gente famosa. Depois que o velho dono morreu, acabou! Esse menino aí – mostra o homem do caixa, nem tão menino assim. – Esse não entende de nada. A comida daqui era bem honesta. Agora honesto aqui é só os garçons!

FIM.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Viração grifada

(Adriana Avellar)

- Senhores passageiros, desculpem-me por interromper o silêncio de tão agradável viagem.

A mulher, a bordo de um terno Armani, não se sabe se original, se posiciona no corredor de frente para passageiros.

- Eu sou uma ex-proprietária de boutique multimarcas, fechada compulsoriamente por ter sido injustamente acusada de sonegação fiscal.

Fala enquanto encaixa as peças de um carrinho desmontável.

- Eu poderia estar cometendo algum crime de colarinho branco ou lavando dinheiro em campanhas eleitorais, mas a responsabilidade social fala mais alto.

Certifica-se de que conseguiu atenção da platéia.

- Pensando no bem estar de pessoas como vocês que aliam preço e qualidade, trago uma promoção imperdível.

Estica e puxa um sutiã de renda vermelho, que retira do meio de lingeries que enchem o carrinho.

- Essas lindas lingeries, tipo importação, se é que me entendem, na Free-shop de Guarulhos ou de qualquer outro aeroporto internacional não sairia por menos de R$ 800 cada peça.

Agora, ela passa pelo corredor, largando calcinhas no colo dos passageiros.

- Comigo, cada peça sai a apenas R$ 250 e o cliente ainda tem o direito a escolher uma peça extra. É uma oferta inacreditável para deixar a mulher linda.

Uma passageira se manifesta.

- Interessante esse conjunto.
- Devorê de seda, anti-alérgica e sensual.
- Aceita cheque-pré?
- Divido em três vezes.
- Ok, vou levar.
- Em cima de hora!

Voz na caixa de som:

“Senhores passageiros, estamos sobrevoando o aeroporto Santos Dumont. Por favor, permaneçam em seus lugares e apertem os cintos de segurança. O comandante e a tripulação agradecem a preferência nesta Ponte Aérea”.

FIM.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Personal Body Stylist, darling.

(Adriana Avellar)

Personal body stylist queidinha preferida do Mundo Ubberfashion, Margareth Bichauer recebeu e(fêmea)ra na Renew Body, a mais bombada clínica de cirurgia plástica, onde dá consultoria .

e(fêmeara) – Qual é o trabalho de um Personal Body Stylist?

Margareth Bichauer – O Personal Body Stylist é especialista em soluções corporais para mulheres que querem caber integralmente num figurino, levando em conta não só o volume do corpo ou o tamanho do manequim, mas também o formato.

e(fêmeara) – O que significa isso?

Margareth Bichauer – Significa, darling, que você vai adaptar seu corpo às tendências da moda, ao invés de adaptar as tendências da moda ao seu corpo, consegue alcançar?

e(fêmeara) – Pode dar um exemplo prático?

Margareth Bichauer – A temporada atual sugere vestido tomara-que-caia. No entanto, nem todas as mulheres ficam bem no modelo. Algumas tem peito demais; outras, de menos. Meu trabalho é fazer um estudo para que, com o mínimo de intervenções possíveis, a mulher tenha o corpo ideal para que o vestido lhe caia bem.

e(fêmeara) – Você está se referindo a intervenções cirúrgicas?

Margareth Bichauer – O menos invasiva possível. Só o suficiente para fazer o vestido cair bem. Claro que em determinados corpos são necessárias intervenções mais radicais, praticamente uma sucessão de cirurgias reparadoras. Mas, na maioria dos casos, um implante de silicone, uma lipoescultura, e às vezes até mesmo pequenos procedimentos em consultório já resolvem a questão.

e(fêmeara) – Na prática, então, suas clientes fazem cirurgia plástica para caber num vestido, é isso?

Margareth Bichauer – Caber, não, darling. Se adaptar. Para caber, bastariam alguns exercícios, uma dietinha básica ou qualquer coisa simples do gênero. Meu trabalho vai além: consiste em permitir que o corpo da mulher combine com a roupa. Uma mulher muito magra, por exemplo, não fica muito bem em estampas muito graúdas. O que fazer se a moda pede justamente isso? Eu sugiro um preenchimento corporal.

e(fêmeara) – Não seria mais fácil trocar a estampa ou usar tecidos lisos?

Margareth Bichauer – Mais fácil talvez. Mas é preciso parar de buscar o caminho mais fácil. A vida, às vezes, nos exige um caminho mais longo e difícil, mas o resultado final compensa. Precisamos sair da zona de conforto. É preciso ousar.

e(fêmeara) – Até então, os consultores de estilo adaptavam a moda ao corpo e personalidade dos clientes.

Margareth Bichauer – Isso é passado, é vintage. Agora, trend é justamente o contrário, como eu já disse. As mulheres realmente antenadas customizam o corpo, não a roupa.

e(fêmeara) – Apenas citei as consultoras de estilo como...

Margareth Bichauer - Não sou consultora de estilo, darling. Sou consultora de estilo corporal, uma profissão reconhecida internacionalmente. Não me julgue amadora. Sei perfeitamente o tamanho e o formato ideal que os seios devem ter para preencher correta e perfeitamente uma frente única.

e(fêmeara) – Para estar sempre bem vestida, a mulher deve se submeter a cirurgias a cada estação? Isso não é muito radical?

Margareth Bichauer – Você acha radical cortar o cabelo a cada dois meses, fazer luzes californianas, alisar ou encaracolar para seguir a tendência, darling? E usar esmaltes coloridos?

e(fêmeara) – A quantas cirurgias ou procedimentos você já se submeteu?

Margareth Bichauer – Nenhuma! Se eu mexer no meu corpo vou ter que tirar meu pretinho básico. Tá louca, darling?

FIM.

PS – Resposta de MB para Silvania Tatajuba que perguntou sobre a Tendência X Barriguinha.

Margareth Bichauer – Faça como eu: entra no pretinho!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Interferência corporal: Sonho de consumo de neofashionistas

(Adriana Avellar)

Se a artista Laurie Anderson foi considerada ousada ao acoplar sensores e usar o corpo como instrumento musical (ela foi chamada, por essas e outras, de criadora dos 80), que dizer do já polêmico Paavali Tammi? O artista finlandês naturalizado húngaro e belga de coração dedicou 10 anos ao estudo de Medicina e Cirurgia Plástica, simplesmente para aprimorar a técnica de body modification. Seria ele o criador dos anos 2010, com suas Interferências Corporais?

e(fêmea)ra – O que é Interferência Corporal?

Paavali Tammi - É uma releitura do corpo, uma desconstrução e uma customização ao mesmo tempo. É o corpo também funcional esteticamente, mas revisto como uma verdadeira obra de arte, com um toque original em que o artista co-cria com a natureza. É um corpo – vivo – reestruturado artisticamente. A Interferência Corporal não é uma utilização meramente como suporte, como alguns críticos afirmam. Qualquer tatuador usa o corpo como suporte, como tela. A Interferência Corporal é um trabalho autoral e original.

e(fêmea)ra – Há quem diga que não é tão original, que você se inspira na obra de Picasso.

Paavali Tammi – Existe sim, uma influência de Picasso, a quem admiro. Mas a obra de Picasso é bidimensional. Já a minha é tridimensional. E a olho nu! Ninguém precisa de óculos para capturar a tridimensionalidade da obra. É claro que sofro influências – como todo artista. E no meu caso, não somente de outros artistas, mas também de profissionais de outras áreas, como o cirurgião plástico brasileiro Ivo Pitanguy.

e(fêmea)ra – Você diria que essa influência de segmentos diferentes torna seu trabalho “inovadoramente multimídia”, como você o classificou?

Paavali Tammi – Pode ser uma das razões, mas a minha Interferência Corporal não é simplesmente multimídia, é multiversimídia: engloba várias áreas – como arquitetura, design, cirurgia-plástica, biblioteconomia; é apresentável em qualquer espaço, intimista ou apoteótico, como bar, banheiro de avião, sambódromo. E também é dotado de mobilidade natural, é mais acessível ainda à compreensão que a arte do Vik Muniz, é uma arte que precisa de técnica sofisticada – cursei 10 anos entre a graduação em Medicina e a especialização em cirurgia plástica – mas tem uma proposta popular.

e(fêmea)ra - O local escolhido para o lançamento (a Royal Academy of Fine Arts Antwerp) não seria um tanto sofisticado para uma proposta popular?

Paavali Tammi – Há dois públicos aí: o que aprecia a obra de arte e o que se transforma na obra de arte. No lançamento, minha intenção foi atingir às pessoas que desejam se transformar numa Interferência Corporal. Você não escolhe ser vanguarda, a vanguarda é que lhe escolhe. Que pessoas antenadas seriam essas? Quem mais além de fashionistas? Por isso, escolhi um lugar que forma ícones do design, de moda. Eu mesmo sou fã e fortemente influenciado pelo estilista belga Dries Van Notten.

e(fêmea)ra – Você cita sempre o mundo fashion. A moda te inspira?

Paavali TammiEs-ti-lo me inspira. Estilistas me inspiram. Tenho uma obra – uma mulher – não fiz nada. É um nada! Apenas sulcos em sua pele. Ficou divina. Uma referência Issey Miyake. Ela não usa um vestido com tecido amassado da grife Issey Miyake, ela é o próprio amassado Issey Miyake. Compreende?

e(fêmea)ra – Como você criou o conceito Interferência Corporal?

Paavali Tammi –Tomei como base as interferências urbanas de vários artistas plásticos. Pensei: por que não intervir no próprio corpo? A partir daí, vi Picasso, o mestre maior, diante de mim. Imagens de corpos se fragmentavam em meus sonhos.

e(fêmea)ra – Você pode dar exemplo de funcionalidade de alguma obra sua?

Paavali Tammi - A obra Mulher De Boca Na Testa é um exemplo. Aquele beijo falso-respeitoso, na testa, que um homem dá numa mulher que ele deseja. Vamos assumir! O que ele quer é outra coisa! Quer algo mais funcional neste momento que uma boca na testa? Há outras. Eu diria todas. As obras Narizes, De Ponta Cabeça, Sorriso do Gato De Alice, Seios Nas Costas... Tudo isso é funcional.

e(fêmea)ra – Você poderia explicar a funcionalidade de seios nas costas?

Paavali Tammi – (risos) Esse é meu primeiro trabalho. Sempre acabo voltando a ele. É um insight de quando iniciei o trabalho de Body Modification – que foi como comecei minha carreira. Inspirado num baile de formatura de escola americana. Eu sentia que havia algo errado no corpo feminino. Claro! Os peitos deviam ficar nas costas, para qualquer menino poder apalpá-los ao dançar colado com a garota de seus sonhos! Atualmente soa desnecessário, mas ainda assim é funcional. E excitante.

FIM.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Privacidade

(Adriana Avellar)

A velha, toda excitada. Novos moradores no prédio. Um jovem casal. Apartamento vizinho. Enfim, diversão. Copo emborcado colado na parede. Ouvido colado no copo. Som de TV. Jogo. Droga.
Seu passatempo predileto: ouvir conversas, decifrar sons, desvendar intimidades, reviver seu próprio passado. Passado remoto. 
Do outro lado da parede, apenas um jogo de futebol na TV.

Mulher – Amo-or.

E a velha na torcida.

Mulher - Amo-or. Tô falando com você.
Homem - Hum?
Mulher - Ah, larga esse jogo. Olha pra mim.
Homem - Hum?
Mulher – Sabe aquele negócio que você pediu?
Homem- Ahã!!!
Mulher – Eu topo!
Homem – Aããããããaããããã?!?
Mulher - Eu topo!
Homem - Sério?!?!
Mulher – Sério. Mas tem que ser agora.
Homem - Na hora do jogo?
Mulher -  Aproveita que eu tô animada.
Homem – Agora?
Mulher – Se você acha esse jogo, que nem é do seu time, mais importante.
Homem – Não é por isso. É por causa da hora.
Mulher – Tem que ter hora certa?
Homem – Se a gente fizer muito barulho, os vizinhos vão ouvir!
Mulher – E daí, se ouvir?
Homem – Outro dia reclamaram com o síndico do casal vizinho aí de cima.
Mulher - Nós acabamos de nos mudar. Você nem conhece vizinho nenhum. Como é que sabe disso?
Homem - Ouvi no elevador.
Mulher - Sei... Você prefere o jogo, né?
Homem - Não é isso.
Mulher - O que é então?
Homem - É que aqui ao lado mora uma senhora. Ela pode ficar incomodada.

Se a velha pudesse, gritaria: "incomodada ficava a sua avó!" Mas o anonimato é o segredo de sua diversão.

Mulher - Você acha que ela vai ouvir alguma coisa?
Homem - Não sei. Como vou saber?
Mulher - A gente faz baixinho. E qualquer coisa, põe uma toalha pra abafar o som. Não é você mesmo que diz que a gente deve fazer as coisas na hora que dá vontade?
Homem – Olha, você está me instigando! Você pensou realmente nisso? Tá decidida?

E a velha: "Maricas"

Mulher – O que você acha?
Homem – Você me instiga e depois muda de idéia.
Mulher – Prometo que vou até o fim.
Homem – Tem certeza?
Mulher – Nossa, anjo, você não acredita em mim?
Homem – Eu acredito, mas você mudar de idéia não custa. Depois eu que fico aí, frustrado.

E a velha: "age, rapaz!"

Mulher – Nossa, mas o mundo não vai acabar por isso.
Homem – Tá vendo? Já to percebendo sua intenção.
Mulher – Juro que vou até o fim. Olha, vou beijar os dedos.
Homem – Então tá. Vamos rápido antes que você mude de idéia.
Mulher – Rápido também não, né? Já que eu deixei. Vamos com calma, pra fazer direito.
Homem – Tudo bem. Com calma. Vem cá. Bem devagarinho. Vou lá pegar uns acessórios.

E a velha, expectativa.

Mulher – Já trouxe tudo. Aqui. Não é isso?
Homem – Hum, muito bem. Você tá entendendo do assunto.
Mulher – Aprendi com você.
Homem – Então eu sou seu professor, é?
Mulher – É. Meu lindo professor. Dessas coisas, claro.
Homem – Lógico. Tudo o mais quem ensina aqui é você.
Mulher – Então, pega aqui.
Homem – Onde?

E a velha: "e ele não sabe onde se pega?, ô raios!"

Mulher – Mais ou menos aqui.
Homem – Mais ou menos?
Mulher – Você vai tateando, e eu vou dizendo, até encontrar o ponto.
Homem – Pronto. Lá vem você com essa história de ponto.
Mulher – Assim você me magoa.
Homem – Eu te magoo? Você vive dando ordens! Até parece que eu não entendo do assunto!
Mulher – Também não precisa ficar nervoso!

E a velha: "calma, moço!"

Homem – Eu não tô nervoso!
Mulher – Então me dá um beijinho para provar que não tá nervoso.
Homem – schuuuuuuuuuuf. Então, onde é o ponto?
Mulher – É bem aqui, ó, no meinho.
Homem – Aqui?
Mulher – Só um pouquinho para o lado.
Homem – Assim?
Mulher – Não do lado de lá.
Homem – Lá onde?
Mulher – Lá onde, como assim?
Homem – Esquerda ou direita?

E a velha: "não sabe tatear não, molenga?"

Mulher – Não sei.
Homem – Como não sabe?
Mulher - Depende do ponto de vista.
Homem – Ahn?
Mulher – O meu ou o seu?
Homem – Ahn?
Mulher – Você está de frente pra mim. A minha direita é sua esquerda. Você quer qual?
Homem – O seu.
Mulher – Mas em relação à sua mão ou ao meu lado direito ou esquerdo?
Homem – Não acredito!
Mulher – Tá vendo? Você se irrita a toa! E olha que eu estou atendendo um pedido seu! Ficou mais de um mês só falando nisso!

E a velha, impaciente: "mas nem eu e o falecido!"

Homem – Tá bem. Quando você falar pra ir pra esquerda é para o lado do seu coração, tudo bem?
Mulher – Tudo bem. Parece até que eu sou burra.
Homem – Burra não. Confusa.
Mulher – Daqui a pouco eu mudo de idéia.
Homem – O que não ia ser novidade. Você vive mudando de idéia!
Mulher – Tá vendo? Você não me entende mesmo!

E a velha: "nessa parte tá igual".

Homem – Não precisa fazer drama. Tá, pra que lado?
Mulher – Pra direita. Pra minha direita.
Homem – Aqui?
Mulher - Foi muito. Agora para a esquerda.
Homem – Assim?
Mulher – Um pouco pra cima. Não, agora pra baixo. Tem que ser bem o meinho. Só mais um pouquinho pra esquerda. Direita. Não, baixo. Não falei diagonal, falei pra baixo. Aí você está pegando uma diagonal ao contrário. Ah!!!!!!!!!!
Homem – Ah, o quê?
Mulher – Tô te indicando tudo direito, mas você não encontra o ponto exato! Não consegue!

E a velha: "Esse aí nem com mapa!"

Homem – Eu não consigo? Agora a culpa é minha!
Mulher – Não é questão de culpado. Você sempre quer encontrar um culpado! Eu estou falando direitinho onde é. Milímetro a milímetro. É só ter sensibilidade e seguir o que eu estou dizendo.
Homem - Você sempre quer que eu siga o que você está dizendo!
Mulher – Mas você mesmo tinha dito pra eu indicar!
Homem – É só não ficar me pressionando.
Mulher – Eu só quis ajudar.
Homem – Também não precisa fazer essa cara.
Mulher – Eu não tô fazendo cara nenhuma.
Homem – Você não vai chorar por isso.

E a velha: "pronto, melou!"
Mulher – (...).
Homem – Tava bom demais pra ser verdade.
Mulher – Tava bom mesmo? Sério?
Homem – Claro, amorzinho, você tava mostrando o ponto direitinho. E eu quero muito isso.

E a velha: "então vai, filho, não desiste".

Mulher – Mas você só fica criticando...
Homem – Tá bom. Eu não falo nada. Eu deixo você guiar. Você faz o que quiser. Eu faço o que você quiser. Vamos de novo?

E a velha: "Isso, meu filho"!

Mulher – Agora perdi o clima...
Homem – Perdeu o clima?!? Você me faz largar o jogo, chegar até aqui pra me dizer que perdeu o clima?!?
Mulher – É isso mesmo. Perdi o clima.
Homem – Eu nem tava a fim! Foi você quem insistiu. E agora vem dizer que perdeu o clima?!? Olha como eu tô todo suado desse sobe e desce.
Mulher – Toma um banho!

E a velha: "coitada"!

Homem - Você tem noção?!? Nós estamos há duas horas nessa! Por mim, podia ir de qualquer maneira, que tava bom. Mas você não! Tem que encontrar o ponto exato! Eu estou aqui há duas horas seguindo suas instruções pra encontrar esse raio desse ponto! Exatamente “O Ponto”!
Mulher – Você tá nervoso?
Homem – O que você acha?
Mulher – Vem cá. Deixa eu te dar um beijinho. Acho que isso não foi uma boa idéia. Vamos namorar um pouquinho.Vamos deixar pra pregar esse quadro dos 100 anos do Corínthians na parede outro dia.

E a velha?

FIM