quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Prova de Gramática - Parte 2

(Adriana Avellar)
Não sei quem foi que inventou as regras gramaticais. Coitado do Machado de Assis. Como será que ele era obrigado a usar as regras gramaticais? Talvez o dono da editora, que era o chefe dele, encomendasse: quero um livro que contenha vinte e oito hipérboles, três pleonasmos, quinze metáforas, trinta e duas figuras de linguagem a escolher, 545 orações coordenadas adversativas ou subordinadas conformativas, consecutivas ou proporcionais, 48 locuções conjuntivas conclusivas ou explicativas. Tem que ter também 52 tipos de o que o autor quer dizer para as provas de interpretação de texto. Ah, e antes que eu me esqueça: precisa também ter uma história.
Encontre o sujeito na frase. Ei, peraí, isso é uma prova de português ou um jogo de detetive? O sujeito não está no hall, não está no escritório, não está no salão de jogos nem no de festas, nem na sala de música ou de jantar ou de estar. Estaria o sujeito na cozinha? Não, o sujeito pode ter se escondido na biblioteca dentro de algum livro daquelas coleções enormes de capa dura vermelha. Se eles tivessem miolo. Parece incrível, não é? Mas tem gente que compra capa de livro a metro pra enfeitar a estante.
Foco na prova. Foco na prova. Retire do texto duas palavras com derivação parassintética. Dê o aumentativo sintético e analítico dos substantivos grifados. Sublinhe no texto três substantivos abstratos e um composto. Dê dois exemplos de superlativo absoluto sintético. Identifique o agente da passiva no quarto parágrafo. O que é siglonimização? Como é que se conjuga o verbo danar na primeira pessoa do singular no modo imperativo? Não. Essa última pergunta é minha mesmo. Vou me dar mal e ficar em recuperação.
-          Tempo esgotado.  Entreguem a prova.  Silêncio! Não quero ouvir um pio!
Esse é o momento martírio. Todo mundo calado, sem poder dar um pio, enquanto Dona Gerúndia silenciosamente corrige as provas. A única vantagem é que ela não pode impedir ninguém de pensar. Porque o resto, ela proíbe. Depois ela chama um a um e dá a sentença. E a minhaé: nada de querer se escritora. Preciso encontrar uma profissão bem longe dos livros. Talvez eu trabalhe numa loja de departamentos. Vou vender eletrodomésticos. Não! Lá, tem manual de instruções. Não deixa de ser uma espécie de livro.
-          Carlos Heitor, venha buscar a prova.
Pronto. Começou a distribuição. Agora ela entrega um a um e quem tem dúvida, levanta a mão que ela vai até a carteira e tira a dúvida, baixando ainda mais a nota. Ela sempre encontra um jeito de baixar ainda mais a nota. Por isso, eu sempre fico calada.
-          Luís Fernando! Rubem! Gabriel! Lígia!
Ai, Deus, quando for minha vez, faça com que a Dona Gerúndia não conte certo meus erros. As provas deviam se apenas uma redação. Belo final e ótimo começo. O corpo também está muito bom. O professor de redação sempre me avalia assim. Eu posso até não saber o termo técnico do substantivo, mas sei perfeitamente como usá-lo. Eu também sei usar os acentos. Eu posso até nem saber exatamente o porquê deles estarem ali, mas sei que é onde devem estar. Canso de ver as palavras escritas nos livros.
Já pensou se a Dona Gerúndia fosse delegada? E resolvesse obrigar todo mundo a decorar as leis? E aí, toda esquina ia ter um guarda. Documentos, por favor, cidadão. E o cidadão ia mostrar os documentos e o guarda ia revistar e o cidadão não estaria armado e por que o senhor não está armado? E o cidadão ia dizer não tenho arma, e o guarda ia perguntar por quê, qual o número da lei que proíbe o cidadão de andar armado e exatamente o que diz a lei? E se o cidadão não soubesse responder, cana! E ele ia aparecer escondendo o rosto naqueles programas de TV que dizem, cadeia nele! E a dona Gerúndia ia dar entrevista e dizer que quem não conhece todas as leis municipais, estaduais e federais não pode ter a ousadia que querer sair de casa, cidadão!
Continua.

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