quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Prova de Gramática - Parte 1

(Adriana Avellar)
Sempre gostei das proparoxítonas. São as palavras mais simpáticas da língua portuguesa. Toda véspera de prova sonho encontrá-las, uma atrás da outra, na questão sobre acentuação. Sempre fui péssima - péssima é proparoxítona – sempre fui péssima em decorar regras gramaticais. Acentuam-se todas as palavras paroxítonas terminadas em... terminadas em quê mesmo, hein? E as oxítonas? Quando é que precisam ser acentuadas? Ai, meu Deus, não sei! Eu, em pânico - para usar outra proparoxítona - eu, em pânico. Não posso tirar nota baixa em português.
Acentuam-se todas as palavras proparoxítonas, não é o máximo? Não importa se elas são terminadas em “r” ou em “s” ou qualquer outra letra; se tem hiato, ditongo ou dígrafo. Já oxítonas e paroxítonas enganam a gente. Se alguém perguntar se oxítona é proparoxítona, qual a resposta certa? Sim. Mas não também está correto. Confuso, não? Pois bem, oxítona devia ser oxitoná e paroxítona devia ser paroxitôna. Mas não são. Por isso eu gosto das proparoxítonas, elas nunca traem!
Ai, meu Deus, todo dia de prova eu fico assim. Eu não devia ficar tão nervosa, eu não fiz cola, não abri o livro debaixo da carteira, nem espichei o olho para a prova da Áurea, a nerd que senta na carteira ao lado. Mas também, olha só o jeito com que ela esconde a prova! Ela praticamente deita em cima do papel! E também Dona Gerúndia dá uma prova diferente para cada fila. Vai ver ela pensa que eu vou colar. Não. Colar, eu não vou. Jamais correria o risco de dar a ela o gostinho de me pegar numa errada. Pode me revistar se quiser. Vem ela. Fez bem. Passou direto. Por enquanto escapei, mas eu preciso saber responder a essa questão.
Numere a segunda coluna de acordo com a primeira. Ai, não. Esse negócio de numerar só devia cair em prova de matemática. Essa confusão de português com matemática me dá nos nervos. Acho que vou ter uma convulsão! Calma. Não precisa ficar tão nervosa. Tente fazer a questão. Na pior das hipóteses é só colocar os números em qualquer ordem. Você terá mais chances que jogar na sena. São dez sentenças numeradas na esquerda correspondendo a dez respostas na direita. É só combinar 01 com d, 02 com f, 03 com h etc. Tenta. Tenta. Nota vermelha é que não! Eu devia ter estudado mais, decorado mais, prestado mais atenção na aula, devia ter me distraído menos, viajado menos, errado menos...

-          Ricardo, entregue a prova e pode sair de sala. Vá já para a direção!

Jesus! Isso é vociferar. Eu sempre quis saber o que era vociferar. Descobri na primeira vez que dona Gerúndia botou um aluno pra fora de sala. Isso é vociferar! Ela só não pode vociferar comigo de novo. Da última vez foi pra dizer que quem não conhece as regras gramaticais não pode ter a ousadia de querer escrever, menina!!! Esse escândalo todo porque eu falei, quando ela perguntou, que eu queria ser escritora. Ela pensou que eu estava debochando, mas eu falava a sério.
Até antes dessa vociferação, eu pensava que talvez pudesse escrever alguma coisa. Sem compromisso. Uma carta pra Bia, minha melhor amiga. E depois no futuro, ela iria vender no leilão da Sothersby’s, por um leiloeiro inglês. Não! É melhor um leiloeiro francês pra dar mais sonoridade, charme. Pois ela iria vender a carta e comprar uma linda casa. E um carro. E muita bala azedinha. E o William Bonner iria falar logo no início do Jornal Nacional “primeiro manuscrito original de Nobel de Literatura arrematado por 300 mil dólares”.
Não! Acho que eu não quero ser Nobel de Literatura. Acho legal ler meu nome nos jornais, mas prefiro entrar na lista dos mais vendidos. É, porque minha tia Iolanda disse que eu tenho que escolher. Ou escrever best-sellers ou ser a queridinha dos intelectuais. Parece que não existem intelectuais suficientes no mundo para colocar um livro na lista dos mais vendidos. Eu já tinha notado isso no caderno de livros do Globo e no Idéias do Jornal do Brasil. Eles sempre perguntam qual livro o intelectual está lendo. É sempre um que eu nunca ouvi falar e está sempre fora da relação dos campeões de venda. Às vezes eles perguntam que livro eles recomendam, mas pelo visto ninguém dá bola pra recomendação deles. Se não, na semana seguinte o recomendado estaria na lista dos mais vendidos, não é mesmo? Eu queria poder não dar bola pras recomendações da Dona Gerúndia. Acho que vou ficar em recuperação em português.
Que lindo! Um fragmento de texto. É assim que Dona Gerúndia chama as pequenas histórias que ela usa pra análise sintática. Análise sintática! Se não fosse uma expressão com duas proparoxítonas deveria ser banida da língua portuguesa. Como é que eu vou saber que figura de linguagem o autor usou no segundo parágrafo? Eu não moro com ele, eu nem o conheço, meu Deus, como é que eu vou saber? A única coisa que sei é que saber para mim agora é verbo intransitivo. Eu preciso saber. Não interessa o quê. Vou passar direto para as questões de acentuação. Sempre tem questão de acentuação nas provas da Dona Gerúndia.
Não acredito! Nenhuma proparoxítona. Dona Gerúndia é má. Ela é muito má. Como é que pode uma prova de gramática sem pergunta envolvendo proparoxítonas? É uma injustiça! Elas são o máximo, elas são charmosas e muito chiques. E o som? Não é fantástico? Véspera, trágico, médico, lívido, preâmbulo, sintomático, enigmático, pneumático... É só enfileirá-las. As proparoxítonas já nasceram poesia. 
Continua.

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